Fraternidade I e II

O FEMININO E O MASCULINO em FRATERNIDADE I e II
Entre o feminino e o masculino, segundo o Miguel Moreira e a Cia. ÚTERO, há uma FRATERNIDADE, que eu vi ontem, na estreia da sua última peça, no GUIdance.
Uma FRATERNIDADE baseada na aquosidade dos corpos, no seu jeito espasmódico de agir nos momentos de maior implicação.
O feminino e o masculino apenas é uma leve distinção nas formas de alguma parte do corpo. Os corpos, cá, agitam-se contra os espelhos, esbaram pela lacuna do chão, torcem-se meio cegos, são contorção não só dos músculos, senão também de algo que está além da vontade, no terreio dos sonhos e dos pesadelos, das fantasias inconfessáveis.
Semelha que o Miguel Moreira nos convoca a frente de fantasias inconfessáveis e nos faz entrar em atmosferas, por vezes assustadoras, por vezes eróticas, por vezes absurdas, mas sempre misteriosas, habitadas por símbolos e matérias sensíveis (a noiva vestida de branco, a noiva vestida de negro, o duplo espelho de pé, a água, as madeiras, os tijolos, a chuva, as percussões em diferentes instrumentos e superfícies, a mangueira para regar, os bonecos, os corpos nus ou seminus… as quedas, o escorregar, o contacto dos corpos sem olhar-se, uma certa desconstrução do conceito de dança, aparelhado a uma certa desconstrução do conceito de teatro, uma aparência de improvisação, na qual o acaso tem mais peso que a previsão, etc. etc.).
O seu teatro-dança não tem nome nem explicação. Trata-se de uma experiência de risco atravessada por uma beleza fora de cânones.
Afonso Becerra Arrojo

A fraternidade talvez seja o elo mais forte que liga todos os seres humanos numa tentativa de se entenderem e de perceberem a diferença que existe em cada um de nós. Focamos a peça no tempo e nos rituais de crescimento que nos fazem afirmar que uma pessoa é jovem ou velha ou que está na meia-idade. Na história de cada um, que é inconfundível mas que ao mesmo tempo se parece com tanta gente que conhecemos. Li um diário de um senhor, que escreveu diariamente desde os 83 anos até aos 92 anos. Todos os dias mapeou o tempo da sua vida. O mais surpreendente é que podemos ver no diário, a cada dia, a hora a que se deitava, a hora a que acordava e a hora a que voltava a adormecer. Há um hiato em que não sabemos o que se passou. O tempo da insónia. Esse tempo é o tempo que, de uma forma metafórica, deveríamos conseguir dançar. Dançar o tempo da insónia.» (Miguel Moreira) O tempo de que não há registos horários nesse diário – um dos pontos de partida para esta peça dupla, cujo outro quadro explora as intersecções entre o feminino e o masculino.

Há um tumulto permanente em Miguel Moreira. Há algo de excessivo, que se esvai nas palavras que diz, nas ideias que partilha, e nessa busca incessante por um movimento que tem uma raiz interior. Às vezes, o corpo até pode recuar ou reduzir a sua pulsação em cena, contrair a convulsão, mas por dentro será sempre trémulo e inquieto. Miguel fala com o mesmo entusiasmo obsessivo com que se dedica à dança. Ele diz coisas assim: “O trabalho do artista é sobre o que não conhece. Não é sobre ‘gosto’ ou ‘não gosto’, não me interessa isso. O trabalho do artista é sobre conhecer. (…) Ele diz coisas assim: “Fraternidade II é diferente das outras criações porque venho com a Fraternidade I na cabeça. Quero fazer um díptico como num quadro. Sei que as pessoas vão olhar primeiro para o 1, e já tenho isso dentro de mim. (…) O ponto de partida é o mesmo: um caderno de anotação metódica das horas, que acompanhou a vida de uma pessoa a caminho dos 90 anos. “Um diário muito metódico, que sugeria uma organização mental… no final já só havia números. ‘Deitei-me à meia-noite’, depois há anotações de horas, ‘2h30 da manhã’, ‘3h30’…Tornou-se um registo do passar do tempo, de alguém que vai acordando ao longo da noite, e toma nota das horas em que desperta. Só tem números. Fez-me pensar que a Fraternidade seria a dança desse mundo, em que acordamos e adormecemos e não sabemos bem onde estamos.”

                                                      Cláudia Galhós para o programa do Festival GUIDANCE

Uma Peça de Miguel Moreira

Cocriação e interpretação: Carolina Faria, Cláudia Serpa Soares, Francisco Camacho, Luís Guerra, Maria Fonseca, Miguel Moreira, Romeu Runa, Sara Garcia, Shadowman

Música original ao vivo: Ricardo Toscano

Violoncelista: Nelson Ferreira

Desenho de luz: Rui Monteiro

Vídeo: João Pedro Fonseca

Cenografia e colaboração desenho de luz da segunda parte: Jorge Rosado

Residências e lugares de ensaio: Estúdios Vitor Córdon, Espaço Gaivotas, Latoaria, Teatro Aveirense, Estúdios ACCCA

Apoios: Dgartes / Governo de Portugal / Estúdios Vitor Córdon / Programa casa / Câmara Municipal de Lisboa / Pólo Cultural das Gaivotas

Coprodução: Útero e Centro Cultural Vila Flor / Festival Guidance / Cine Teatro Avenida / Teatro Aveirense

https://www.publico.pt/2018/09/14/culturaipsilon/fotogaleria/fraternidade-do-utero-a-velhice-389845

 

Additional information

01
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HERALD

Where our words lay to rest and from time to time, when time presents, a little bit more.

02
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CREATORS

Our branches, stretched beyond tearing, made to build bridges.
To deliver method and process.

03
-

Utero

Process, form and shape.
We, only as words, never neglecting our existence nor essence, display our hands in past and present shapes.